quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A quem pertence a história?

O polêmico projeto de lei que regulamenta a profissão de historiador, aprovado no Senado em novembro do ano passado, está prestes a ganhar novo capítulo. De autoria do senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul, desde que passou por votação, a proposta vem sendo criticada por restringir as atividades de magistério e pesquisa de História aos historiadores.


Os pontos mais questionados se concentram no artigo 4, que define como atribuições dos profissionais com curso superior em História o direito de lecionar mas também de exercer a pesquisa, a organização de documentos e informações, além da “elaboração de trabalhos sobre temas históricos”.


Para o jornalista cearense Lira Neto, que acaba de lançar o segundo volume da biografia de Getúlio Vargas, o problema do projeto está na redação imprecisa. “A intenção (do projeto de lei) era dar uma proteção jurídica ao profissional da História, o que é bastante razoável, mas da forma como está redigido ele abre esse precedente que qualquer pessoa agora teria de ser historiador para pesquisar temas históricos, o que seria um absurdo”, diz. Segundo ele, se essa interpretação fosse levada às últimas conseqüências, importantes autores brasileiros, como José Murilo de Carvalho e Boris Fausto, ambos não graduados na área, seriam descredenciados para escrita de outros livros de História.


Para além da restrição à pesquisa e à publicação, conforme o atual texto, o ensino de disciplinas como história da arte ou história da literatura, por exemplo, teria de ser dado por historiadores. Esse é o entendimento de entidades como a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Em carta enviada à Câmara dos Deputados, as instituições são enfáticas ao pedir que a tramitação seja interrompida para que o tema seja mais debatido e o texto final possa ser alterado.


“O projeto tem problemas graves e, se aprovado na forma em que está, trará sérios prejuízos ao Brasil e ao ensino superior de inúmeras disciplinas relacionadas com a História”, alertam na carta (disponível no link http://bit.ly/147ADl3).


Repercussão

O historiador e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Américo Souza, concorda com os pontos do projeto que defendem o reconhecimento da profissão e a valorização do professor no ensino fundamental e médio, especialmente. No entanto, segundo ele, essa exigência já consta na Lei das Diretrizes e Bases da Educação, mesmo sem a regulamentação específica dos profissionais de História. “A experiência histórica, a vida, o mundo, a realidade estão aí pra qualquer pessoa analisar, acho que você restringir a historiador é bobagem”, opinou Américo, para quem a pesquisa historiográfica é o que vai diferenciar o trabalho do historiador.


A interpretação do historiador Tiago Porto é diferente. De acordo com ele, o projeto “vai valorizar mais a profissão” porque “não quer restringir a participação de museólogos, arqueólogos, por exemplo, que já são profissões regulamentadas”. Embora não seja a favor da restrição da pesquisa para historiadores, ele acredita que o debate deve continuar e serve também para valorizar o lugar de cada profissional no mercado.


“Eu não vejo nenhum problema de qualquer outro profissional fazer um livro que traga uma contribuição pra História. Uma biografia do Getúlio Vargas, como a do Lira Neto, por exemplo, não é um trabalho pra estudo acadêmico, mas traz suas contribuições”, cita Tiago.

Fonte: Jornal O Povo